Hoje a Jornada Pedagógica nos trouxe Emília Cipriano,um enriquecedor encontro para os profissionais que atuam na Educação Infantil.
EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA: O QUE SIGNIFICA INFÂNCIA HOJE?
“A infância é uma construção social elaborada para e pelas crianças, em um conjunto ativamente negociado de relações sociais. Embora a infância seja um fato biológico, a maneira como ela é entendida é determinada socialmente.” Dahlberg, Moss e Pence, 2003
Por Emilia Cipriano e Claudio Castro Sanches
O Brasil, neste momento histórico, está construindo uma infância e cada espaço percorre um caminho singular nesta ação. Temos e teremos gerações com características diferentes: crianças imersas e centradas em aparelhos tecnológicos têm um tipo de infância; as que interagem e se relacionam socialmente têm outro. E as que vivem no abandono? O que delas podemos esperar?
Como você vê a infância brasileira hoje?
Nossa cultura tem dado ênfase àqueles que produzem. As crianças e os idosos estão nas pontas, de modo geral não geram produção, não são valorizados. Temos valor durante o tempo que somos produtivos. Um erro, um grande erro!
Quem não valoriza a infância e a velhice, não valoriza o “ser pessoa” e a vida, porque o ciclo da vida perpassa mundos: mundo da criança, mundo da adolescência, mundo do adulto, mundo do idoso. A infância que construímos é a velhice que projetamos.
Quantas infâncias você tem nas mãos?
Em nossas palestras pelo país, retomamos constantemente esta pergunta aos professores para perceberem que o conceito de infância sobre o qual falamos não é genérico. É preciso olhar para a criança a partir dos seus espaços, convivendo e identificando-se com elas.
Não existe uma criança universal. As crianças são únicas em seus contextos sociais e de temporalidade. Considerar essa diversidade é preceito de uma pedagogia da infância, caso contrário, ocorrerá a idealização da criança.
Temos passado por muitas mudanças culturais ligadas diretamente às crianças: participação feminina no mercado de trabalho, aumento dos lares monoparentais, variadas configurações familiares (avós assumindo o papel de pai e mãe) e redução do número de filhos.
As infâncias nos revelam o tempo que vivemos. Nós, adultos, temos papel fundamental na formação da geração que, daqui a dez anos, dará uma nova marca para esse tempo.
E, você, que infância ou infâncias estão em suas mãos?
Para refletir sobre esta questão temos que partir do pressuposto que as crianças são atores sociais. Ser ator social é diferente de coadjuvante e, especialmente, muito diferente de ser uma pessoa que está se formando para, um dia, vir a ser alguém.
Sou ator social quando tenho uma atuação na sociedade. Respeitado no meu tempo, nas minhas potencialidades, limitações e nas tomadas de decisões.
Na visão dos adultos, as crianças ainda não estão prontas para tomar decisões. Não se fica “pronto”, já estamos prontos para o momento que estamos vivendo. Constituímos-nos tomando decisões. Vivenciando esse processo, as respostas das crianças serão resultantes das experiências que lhes foram possibilitadas.
Crianças, desde muito pequenas, têm de saber fazer escolhas: “por que vir para cá e por que não ir para lá?”; “o que eu devo fazer, isto ou aquilo?”,...
É importante levarmos as crianças a pensarem sobre a vantagem e a desvantagem de seguir por um ou outro caminho. Se começarmos a tomar decisões o tempo todo, como exercitaremos as crianças a se perceberem, a construírem suas próprias respostas?
Em visitas a algumas creches, observamos uma situação, entre tantas outras, que não se colocava garfo e faca para os pequenos comerem, quando já podiam fazê-lo. O que ocorre quando experiências semelhantes a essa são negadas? Transferimos para o futuro uma situação que poderiam vivenciar agora. É claro que isso deve ser feito com orientação e com talheres que não apresentem perigo. A questão é que, ao retirar da criança a possibilidade de manusear o que está integrado às suas atividades, retira-se dela o poder de ser autora da ação hoje e talvez amanhã. Ela fica o tempo todo esperando a ordem do adulto e faz perguntas como: “posso fazer?”; “de que cor eu pinto?”; “posso começar?”...
No contexto adulto deparamos com pessoas que indagam: “É pra fazer?; posso?; como devo fazer?; e agora o que faço?”... Questionamentos que revelam posturas que estão relacionadas aos reflexos da cultura vivida.
Professores, educadores, pais e todos que permeiam o universo da infância, em muitas ocasiões, dizem à criança o que deve fazer e de que forma. Impomos uma visão.
Já presenciamos peças infantis em que os pequenos foram tratados como se não pensassem. Criança tem competência para construir trilhas sonoras, textos, roteiros, identificar personagens... O adulto precisa provocá-la a procurar, investigar e organizar a informação. As competências simbólicas infantis permeiam todo o caminho do desenvolvimento humano e, muitas vezes, os adultos não conseguem percebê-las e consequentemente perdem a possibilidade de estar efetivamente com as crianças.
Necessitamos transformar o nosso olhar a partir do olhar infantil.
Podemos continuar o diálogo?
Emilia Cipriano
Doutora em Educação, Mestre em Psicologia da Educação e Pesquisadora da Infância.
Claudio Castro Sanches
Mestre em Educação, Especialista em Gestão Educacional e Pesquisador da Infância.
(Instituto Aprender a Ser)
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